#28 É mesmo sobre menstruação
Os hormônios já começam com o pé na porta, mostrando que são eles quem mandam
Quando eu digo que pretendo escrever hoje sobre menstruação, Caio pergunta se é mesmo sobre menstruação ou sobre menarca. “É sobre menstruação”, digo, sem entender por que a menarca aparece, já que ambos sabemos que a minha questão é a menopausa e que farei uso da escrita, mais uma vez, pra entender ou dar conta de alguma coisa que está fazendo um nó aqui dentro.

Suspendi a reposição hormonal há uns dois meses devido a taxas estranhas do fígado. Nada grave, isso já se sabe. Mas também não está normal e os médicos ainda não acharam o motivo. Enquanto a hepatologista fuça minhas entranhas e nada descobre, me presto ao papel de rata de laboratório, claro, não sou uma irresponsável. No entanto, em análise tenho coragem de dizer que estou manifestando no meu corpo os sintomas da minha mãe, já que praticamente não consumo bebida alcoólica. Questões histéricas à parte, já, já a médica descobre, afinal, se a hepatite é mesmo medicamentosa, ainda que eu não tome remédios que a justifiquem (e já ter suspendido até o ômega três), ou autoimune mesmo, apesar de não ter se confirmado em exames de sangue até agora.
Toda essa conversa de sala de espera de médico era só pra dizer que tive que suspender a reposição hormonal, e as transformações do corpo que vinha sentindo com a menopausa agora parecem ser definitivas. Tenho achado a menopausa tão desvairada, atordoante e galopante que eu poderia fazer uma série exclusivamente sobre ela ou, melhor dizendo, minha relação com ela: burlesca, patética, catastrófica, teatral. Grandes chances de sucesso.
Não vou mais ficar menstruada. E isso me angustia. Sei que essa confissão é polêmica e posso ser julgada por isso, visto que o assunto parece sustentar o tecido patriarcal e conservador que a gente precisa esgarçar: do “lugar” da mulher, da maternidade, do corpo feminino. Mas, se relatar minha experiência do auge dos meus 49 anos, pode trazer algum esclarecimento pra mim e entreter alguém, já cumpro minhas expectativas com louvor.
Caio, quando senta aqui no meu lado, diz brincando que menarca é a palavra mais feia do dicionário. “Monarca até vai, mas menarca é uma palavra gosmenta”, diz rindo. Acho engraçado como ele não se dá conta de que relaciona a composição de letras àquilo que pensa sobre a ideia de menstruação. Apenas a troca de um “o” por um “e”, então, transforma o rei no tabu, no sangue, no impuro, no desconhecido e misterioso? Que horror! E não é do Caio que digo aqui, é de todos nós. Engraçado que a palavra menarca me remete a abelhas. Não entendo o porquê e se alguém associar a algo, agradeceria se me ajudasse a esclarecer.
Sobre esses assuntos “de meninas” eu aprendi quase tudo na revista Capricho. E ainda acho obscuro que meu pai, sendo tão controlador e tradicional com relação a mim, comprasse uma revista que falava abertamente de sexo. Algo nas minhas lembranças parece não fazer sentido. Enfim, nem mesmo com as amigas (que eram vizinhas) a gente conversava sobre menstruação ou as coisas do corpo com naturalidade na década de 1980. Lembro uma vez que Caca (minha amiguinha vizinha), colou no corpo a parte adesiva do “modess” de sua mãe, tia Mariângela (amiga de mamãe). Sua experiência com a adultez começou mal-sucedida, arrancando aquela cola da perereca depois de algumas horas dentro da calcinha, quando deu vontade de fazer xixi, e perdendo os pelinhos que começavam a nascer. Piorou porque ainda teve sua história em “boca de Matilde”, pois as mães têm mania de contar nossos segredos. Trinta e poucos anos depois, sou eu a expô-la novamente, não resisto. Em minha defesa, troquei os nomes pra garantir o anonimato.
Tenho uma prima dez meses mais velha que eu, que ficou menstruada antes de mim. Ela foi minha primeira melhor amiga e parte da nossa cumplicidade se deu no dia em que ela ficou menstruada durante à noite, nas férias em que nós passávamos sem nossas mães na casa da avó. De manhã, ao ver a mancha vermelha no lençol, ela ficou em pânico e nosso laço feminino foi apertado ali; era impossível dizer à avó o que tinha ocorrido e precisávamos lavar as roupas às escondidas. Éramos duas crianças sem saber sequer onde ficava o sabão.
Certo dia, já no ensino médio, rolou um alvoroço no banheiro feminino. Algumas professoras e a diretora entravam e saíam apavoradas do banheiro, e a gente bisbilhotava que uma colega da turma chorava de modo assombrado lá dentro. Logo a mãe da amiga chegou ligeira levando a menina de cabeça baixa pra casa. Tudo ficou envolto em mistério até que na semana seguinte, no dia em que a colega voltaria à escola, um novo boato se espalhou dizendo que ela tinha se espantado com o sangue na calcinha. Será que teria achado que estava machucada? Pensou que pudesse morrer? Eu nunca soube o que passou pela sua cabeça ou o que sentiu. A gente não falava desses assuntos e ela nem era tão íntima minha. Mas, guardo essa lembrança. Talvez porque eu tenha assistido nela o pavor que também era meu, de enxergar numa única imagem - vermelha - a saída da infância para o desconhecido assustador.

A minha cena, o meu átimo foi concomitantemente a um gol no handebol, talvez o único sucesso esportivo da vida. Dia de sol quente, aula de educação física, jogo na quadra e eu estava especialmente disposta fisicamente. É isso, os hormônios já começam com o pé na porta, mostrando que são eles quem mandam. Nessa hora questiono a máxima freudiana que diz que “o eu não é senhor de sua própria casa”, sugerindo que seria o inconsciente. Freud, não conhecia o poder do estrogênio e da progesterona, aposto. Eu nunca havia tido aptidão para esportes e, também, jamais tive depois disso. Mas naquela manhã fui abduzida por algum hormônio possessor.
Cheguei em casa cansada, suada e contente com o meu desempenho no jogo, fui ao banheiro, baixei as calças do uniforme e bomba!, era a minha vez. Fui atingida, contaminada, não tinha cura, sem retorno, caminho sem volta. Minha mãe tinha voltado da maternidade naquela semana com meu irmão caçula - psicanalistas guardem essa na manga (kkkk) - e fui com as pernas bambas ao seu quarto escuro contar o acontecimento adverso. Ela não tinha o que dizer. Não lembro se disse, acho que sorriu; ou fantasio que tenha sorrido.
Neste momento, maio de 2025, acho que a minha menstruação não vai chegar mais sem a reposição hormonal. E ninguém sorri, e ninguém quer saber. Não tem professora pra me abraçar no banheiro e nem revista que me ensina como lidar com isso, não tem vizinha e nem amiga que me diz que também está sofrendo. Aqui, sim, o silêncio é fúnebre. E até os hormônios foram embora, azucrinar em outras bandas.
A origem do mundo: uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado. Esse é um quadrinho da minha quadrinista preferida atualmente, a sueca Liv Strömquist. Ela estará na Flip esse ano e estou animadíssima para vê-la. Quero ler tudo dela que não li ainda antes de julho.
Eu ainda não ouvi, mas é o primeiro item da minha lista pra ouvir: Virginia Woolf por inteiro. Cem anos depois da publicação de Mrs Dalloway, o mais conhecido romance de Virginia Woolf (1882-1941), a escritora inglesa ganha novas edições da sua ficção e novos olhares sobre seus ensaios. Estou animada por este, do podcast da Quatro cinco um, com os dois tradutores de Woolf, a escritora Sofia Nestrovski, e o poeta Leonardo Fróes.
Terminando parte da dissertação pra qualificação não deu pra ler muito, mas terminei A louca da casa, de Rosa Monteiro e adorei. Ela conta histórias autobiográficas engraçadas e interessantes, episódios biográficos alheios, em especial de escritores e fala muito de literatura. Tão, tão gostoso! É da editora Todavia.
Saiu hoje mesmo a lista com os “melhores” livros brasileiros do século XXI, pela Folha de S.Paulo. A gente já curte uma listinha e é um jeito de ler coisas que estavam fora do radar. Mas é bom sempre olhar criticamente.
Também estamos assistimos à segunda temporada de The last of us por aqui. Até agora, foi muita expectativa e pouca entrega. Vamos ver o que rola hoje, no último espisódio. Restará certamente a simpatia por Bella Ramsey e mais simpatia ainda por Pedro Pascal. Fofos demais.
Dê a mão aqui, amiga! Espero q possa retomar a TRH. E se não der, tem o restante do combo (também necessário qdo se faz a rep). Q é aquele conhecido "estilo de vida": alimentação, ativ física, fitoterapia e sono (esse pode ser um caso sério...).
Pq o q a gente repõe nunca é igual ao q vem de fábrica.
Adorei o texto!
Muito bom! É isso mesmo, adorei!